DENTRO DA MATA
MIGUEL PENHA NA TEMPORADA DE
PROJETOS 2014 DO PAÇO DAS ARTES
Com nove pinturas, a exposição
Dentro da Mata de Miguel Penha (Cuiabá/MT, 1961), apresenta a vegetação da
região do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães no Mato Grosso, no centro-oeste
brasileiro, como o tema central de sua produção. Filho de índio (pai xiquitano
da fronteira da Bolívia, e mãe bororo com português), o artista que resgata
valiosas lembranças, por vezes, faz remeter as andançasque realizou com seu pai
pelas matas durante os anos de infância, para caçar e coletar frutos do
cerrado, plantas e ervas medicinais de uso tradicional.
Diante da destruição que o bioma
vem sofrendo, Penha nos impulsiona de maneira ampla a uma reflexão ao que vem
acontecendo principalmente no norte e centro-oeste do país, aonde plantações
sem fim de soja e algodão tomam o lugar de florestas nativas. Diletante dos estudos botânicos clássicos, mas
com forte conhecimento ancestral, Penha vai observando e registrando em seu
trabalho o conjunto de ecossistemas em rápida descaracterização do entorno. O
artista indaga e problematiza o que está por trás da agressividade da expansão da
hecatombe agrária em escala internacional em curso no Brasil,ao simplesmente
propor pintar o impacto visual da beleza natural e das espécies da flora em
extinção, retratando “hiperrealisticamente” a paisagem selvagem em luta por sua
própria preservação.
Figuram em seu desejo de presença
ambiental constante a palmeira Paxiuba, bastante utilizada pelos seringueiros e
indígenas para a construção do assoalho rudimentar das casas e palafitas da
Amazônia, o pequizeiro do cerrado(Caryocarbrasiliense),espécie tombada (Decreto nº 14.783/93) como
patrimônio, sendo seus frutos muitíssimo consumidos pelos indígenas do Alto
Xingu, a palmeira Bacaba, manuseada para a nutriçãoe o feitio de sucos e o
ubim, que é aquela palmeirinha usada também pelos seringueiros e indígenas para
se fechar a cobertura do telhado de suas habitações. Quando o artista pinta a óleo, se envolve com
os modos de manipulação da cera da carnaúba e os secantes em pó, que dão forte
destaque as colorações. O óleo que é retirado da tinta não realça muito o
brilho, assim o que resta é uma pintura mais seca, em que as cores são suavemente
destacadas em seu aspecto essencial. Como sua pintura é calcada na luz natural
do centro-oeste brasileiro, Penha trata a luz como a vê ao natural; ou seja,
nunca artificialmente: a canaliza para a tela tal qual enxerga o raio de sol
iluminandoa mata. Suas pinceladas vem mudado ao longo dos últimos tempos. E as
cores também. Atualmente se vale de doze cores a óleo e quatro em acrílica. Os
resultados vem aparecendo devido a essas experimentações. Almeja poder
trabalhar a luz sem mais usar o branco, somente iluminando a pintura com a
superposição de cores. A iluminação pela cor.
Outra localidade inspiradora para
as suas telas é a reserva do povo Krahô, às margens do Rio Brilhante, que surge
ocasionada por uma sensível memória fotográfica de igarapés e riachos de águas
límpidas.Em sua busca incessante pelo aprimoramento da imagem, inova seus
conhecimentos de química com pigmentos tecnológicos, que evoluem para testes
técnicos de durabilidade e conservaçãocom novos materiais. Não obstante, o
trabalho assim passa a sofrer cada vez mais frequentes mudanças positivas.
Penha se preocupa muitíssimo com
as questões de politica ambiental. O
isolamento, a distância e o transporte caríssimo, ao qual estamos sujeitos para
locomovermos pelas regiões do país, são os efeitos colaterais que mais vão se
tornando rapidamente passíveis de gerar o apagamento de narrativas culturais
regionais. A crescente ameaça de
devastação a que estão expostos tanto o patrimônio natural quanto o cultural,
não apenas pelas causas tradicionais da degradação agropecuária, mas também
pelas exigências da vida política, social e econômica do Brasil mais
recentemente, molestam áreas imensas com desastrosos fenômenos ainda mais
temíveis. Apesar da predominância da agenda das questões econômicas sobre as
culturais citadania importante conquista da Carta da Rio 92, no princípio 23, consta: “o meio ambiente
e os recursos naturais dos povos submetidos à opressão, dominação e ocupação
deverão ser protegidos”.
O estranhamento é a ausência dos
bichos e caboclos por entre as picadas do mato de seus quadros. Não aparecem,
estão escondidos. Penha sabe que necessita continuar vivendo ali e pintando o
ao redor, para ver aonde o seu trabalho consegue chegar em relação aos grandes
formatos das telas de até 3 X 6m que vem experimentando, ampliando, “superdimensionando”,
montadas sem bastidores, direto sobre lonas de caminhão.
O verde da natureza, sua massa,
sombra, volume e textura das folhas e da casca das árvores é o que de fato parece
estruturar o pensamento visual do artista, e faz dele a sua história real.
Marcio Harum é curador de artes
visuais do Centro Cultural São Paulo.
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